O outro lado do amor. Catherine SpencerЧитать онлайн книгу.
a ser a minha mãe e o pai já cá não está…
Não terminou a frase. Não concluiu: «já nada me impede de voltar». Não havia necessidade de remexer no passado. John Paget tinha-a expulsado de casa inúmeras vezes e insultado a plenos pulmões. Todos sabiam que pai e filha tinham grandes divergências.
Quantas noites de Inverno tinha passado calçada com uns ténis e com um blusão fino vestido? Quantas noites de Verão se tinha escondido no bosque, que havia atrás de casa, até ele sair para o trabalho para poder entrar?
Apesar de todos saberem o que se passava, ninguém tinha mostrado compaixão. Em vez disso, permaneceram calados, a observar sem fazer nada. «Pobre John Paget! Que rapariga endiabrada lhe saiu. Nasceu selvagem e morrerá selvagem.»
Tinha a certeza que quando soubessem que tinha regressado, iriam a correr até ao cemitério para verem se estaria a dançar em cima da campa do pai. Não valia a pena! Alegrava-se que tivesse morrido, não podia negá-lo. Tinha sido um monstro, o mundo estava melhor sem ele.
– Não julgues que não paguei pelo que permiti que acontecesse quando eras pequena – disse Hilda Paget com uma dor insuportável nos olhos. – Deixei que o teu pai te maltratasse, isso atormenta-me. Teria sido melhor que me tivesses deixado morrer na nossa cama.
– E permitir que todos tivessem razões para me criticar? Para que dissessem: «não te disse?» Nem pensar! – riu Molly tentando esquecer o passado. – Sinto muito, mãe, mas vim para ficar todo o tempo que for necessário. Não vim sozinha.
A sua mãe olhou para a porta, onde estava Ariel.
– Trouxeste a menina? – disse com a voz quebrada. – Ó, Molly, julguei que iria morrer sem conhecê-la!
Molly sentiu o coração a despedaçar-se, mas tentou acalmar-se.
– Vem cumprimentar a tua avó, querida.
Ariel aproximou-se do leito.
– Olá, avozinha. Sinto muito que o teu carro tenha sido colhido por um comboio.
Hilda ficou com os olhos marejados de lágrimas.
– Deus seja louvado! – disse ao agarrar na mão da neta. – É como voltar dezoito anos atrás. És igual à tua mãe. Os mesmos olhos castanhos, o mesmo cabelo… Ainda bem que não és parecida comigo.
– Vamos desfazer as malas – disse Molly à filha. – Vamos deixar a avó descansar um pouco. Mais tarde, jantamos aqui, de acordo? Parece-te bem, mãe?
– Muito bem – respondeu Hilda com um grande sorriso, apesar do cansaço que a invadia. – Nunca pude jantar na cama, o teu pai não deixava. Amanhã, por esta hora, julgaria que não teria porque lutar, mas agora é diferente.
Molly conseguiu sair do quarto e descer as escadas sem chorar. Mas ao chegar lá abaixo não aguentou a emoção.
«Um pouco tarde para te pores a chorar, Molly Paget. Eras a única pessoa que existia entre esta pobre mulher e a besta do seu marido, mas deixaste-a sozinha e em perigo. És uma má filha e mereces todas as críticas. Como é que te sentirias se a Ariel te abandonasse como tu abandonaste a tua mãe», fustigou-se.
Destroçada. Era assim que se sentiria. Para aquela mulher, Molly era o bem mais precioso do mundo.
O problema foi Hilda ter vivido pelo e para o marido, obedecendo-lhe sempre, apesar de toda a irracionalidade. Viver com ele convertera-se num suplício, podia tê-la chamado. Ao fim e ao cabo, Molly não desaparecera sem deixar rasto. Mantivera-se em contacto com a mãe através de carta. Hilda não respondia com muita frequência, e quando o fazia, as cartas eram quase impessoais. A última recebera-a há quase onze meses, continuava gravada na sua memória.
Querida Molly:
O Inverno tem sido duro. Os canos da cozinha congelaram duas vezes na semana passada e o pescado está caríssimo. O neto de Cadie Boudelet tem bronquite, coitadinho. A casa dos Livingston quase ardeu a semana passada por causa de umas chispas que saltaram da chaminé. O nosso televisor avariou, decidimos não comprar outro porque não há nada de boa qualidade, por isso, tento ir à biblioteca uma vez por semana. No Natal vendi duas colchas, o dinheiro veio mesmo a calhar. Começou a nevar em finais de Novembro, estamos em Abril e ainda não parou. O teu pai não sai de casa porque tem medo de cair nas placas de gelo.
Espero que a menina esteja bem e tu também.
A tua mãe, que muito te quer.
Como de costume, não se interessava pela sua vida, não perguntava pela neta. Aquela aparente indiferença, que tinha durado uma década, havia feito nascer e crescer em Molly um rancor que não acreditava que pudesse evaporar-se. E de facto, era assim. Ao ver a alegria com que a sua mãe as havia recebido, perguntou-se porque razão escrevera aquelas cartas despojadas de carinho.
De repente, percebeu a solidão que havia entre cada linha das cartas que escrevera, o vazio interior de uma mulher sem esperança.
– Mas agora estou aqui, mãe – sussurrou, enquanto se dirigia para a cozinha. – Vou tratar de ti o melhor que sei.
A cozinha permanecia igual, o mesmo frigorífico, o mesmo forno, a mesma mesa horrível, as mesmas cadeiras.
Não era de estranhar que a sua mãe não quisesse ficar boa. Um rato enjaulado teria uma existência melhor que a sua.
Molly decidiu preparar uma sopa de tomate, sanduíches de queijo e chá. Quando estava a terminar, a porta das traseiras abriu-se. Sentiu o vento gelado e o olhar gélido de Cadie Boudelet.
– Disseram-me que tinhas voltado – disse ao observá-la com desprezo. – As más notícias voam.
– Alegro-me em vê-la, senhora Boudelet – afirmou ao constatar que nada tinha mudado. – Deseja alguma coisa ou veio apenas para cumprimentar-me?
– Vejo que continuas tão arisca como sempre – respondeu Cadie ao deixar um embrulho sobre a mesa; e cruzou os braços. – Vim trazer o jantar da tua mãe. Podes parar o que estavas a fazer. A não ser que seja para ti, o que não seria de estranhar, porque nunca pensaste em ninguém a não ser em ti.
Molly queria expulsá-la, mas conteve-se. Apesar de tudo, fora uma grande ajuda.
– Sei que tem ajudado a minha mãe desde que saiu do hospital, mas agora estou cá eu. Não vale a pena continuar a incomodar-se. Não quero que a minha mãe seja um problema para a senhora.
– Problema? Isso é o que tu és. Nem toda essa roupa da cidade é capaz de ocultá-lo. O facto de teres um marido rico não muda nada. O maior favor que podias ter feito à tua mãe era não ter voltado. Não precisa de ti para nada. Agora precisa de superar a morte de teu pai.
No momento em que Molly ia intervir, e não com boas maneiras, a porta principal foi aberta. Era Dan.
– Ora bem! – exclamou Molly. – Ninguém bate à porta antes de entrar?
– Não é preciso porque não temos o que esconder – contestou Cadie. – Claro que agora que estás aqui…
– Vim ver como estavas, Molly – disse Dan. – Este cheiro magnífico é de um dos teus guisados, Cadie?
A expressão da mulher suavizou-se.
– É, se quiseres jantar lá em casa és bem-vindo.
– Obrigado – sorriu Dan, encantador, – mas tenho uns assuntos a tratar. – Molly, podemos falar?
– Presta muita atenção ao que o doutor te disser – disse Cadie ao sair. – Sabe o que diz. É uma sorte a tua mãe estar a receber os seus cuidados.
Fez-se silêncio. Molly ficou parada a olhar para Dan.
– Ilucida-me. Como é que é possível que todos te adorem se tens um passado delinquente? E que a mim me detestem, apesar de ter mudado?
– Talvez me tenha esforçado mais para