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Ndura. Filho Da Selva. Javier Salazar CalleЧитать онлайн книгу.

Ndura. Filho Da Selva - Javier Salazar Calle


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para salvar a vida. Peguei as duas mochilas e me afastei adentando a frondosidade da selva com o máximo de cautela que me foi possível, o que era pouco, já que levava tombos, e com o corpo todo dolorido, era incapaz de controlá-lo totalmente. Não sabia para onde me dirigir, mas tinha noção de que quanto mais distância desses selvagens, mais probabilidades de viver eu teria.

      Caminhei por quase duas horas, impulsionado pelo pavor, pelo medo de morrer, até que minhas pernas não resistiram mais e caí ao solo, desmaiado. As mochilas me pareciam estar carregadas de pedras. Meu joelho esquerdo doía com tanta intensidade; desde que me machuquei jogando futebol nunca me recuperei totalmente e ainda me dava problemas de vez em quando, quando o forçava. Abri minha mochila e tirei uma lata de suco. Ainda estava fresca e bebi com avidez. Transpirava copiosamente; gotas de suor escorriam torrencialmente pelo meu queixo, como se tivesse acabado de chover ou se tivesse saído de uma piscina. Sentia falta de ar e abria a boca tentando aspirar grandes lufadas de ar. Engasguei-me com um sorvo um pouco mais rápido, comecei a tossir fortemente e pensei que me afogava. Quando consegui me tranquilizar um pouco, ainda ofegante, me dei conta de que havia menos luz, estava anoitecendo. Alex morto no acidente, Juan crivado de balas; meus dois melhores amigos perdidos em um pequeno instante devido à estupidez de uma guerra civil que não entendia e que não me importava. Por que não se matam uns aos outros? Por que nos matar? Por que meus amigos, Alex e Juan? Idiotas! Se dependesse de mim, poderiam se explodir, todos eles. Por culpa deles estava agora sozinho, nesta merda de lugar, úmido, acabrunhante, asfixiante, sem meus amigos. Por que eu, por que eles? A morte de Juan, metralhado por esses selvagens passava de vez em quando pela minha cabeça, como se fosse um filme. A luz de seus olhos se apagando naquele último olhar que ele me lançou… Tentei não pensar nele, escondê-lo em algum recôndito de minha mente, mas não havia como. Há duas horas estávamos juntos, rindo enquanto recordávamos as histórias da viagem, e agora…

      Estive chorando por um bom tempo, não sei quanto, mas me fez muito bem. Quando consegui parar estava muito melhor, no mínimo mais tranquilo. Já era evidente que estava anoitecendo, a selva em penumbras entrava no mundo das trevas. Devia buscar um lugar para dormir. Sentia medo de dormir sozinho, sobretudo de que os rebeldes me encontrassem, mas dormir sobre uma árvore também não me tranquilizava, com serpentes, esses macacos escandalosos ou vai lá saber que fera selvagem e faminta. Precisava decidir, serpente ou homens armados e enfurecidos? As serpentes me pareceram melhor opção, ao menos ainda não me tinham feito nada. Busquei uma árvore que me parecesse fácil de escalar, difícil para as serpentes e com algum lugar onde pudesse me acomodar para dormir.

      Foi nesse momento em que me dei conta da incrível quantidade de tipos de árvores e plantas que havia. Desde as menores plantas, quase minúsculas até árvores de mais de cinquenta metros cujos troncos sobressaíam por cima dos demais sem conseguir ver o final, toda uma amálgama de classes distintas de flora salpicadas por toda parte; incluindo altíssimas palmeiras de folhas desfranjadas pintadas e de vários metros de largura com grupos compactos e densos de flores4. Havia uma camada superior de árvores de uns trinta metros com algumas que emergiam muito por cima, depois uma segunda camada de uns dez ou vinte metros de altura com forma alargada como os ciprestes de nossos cemitérios e

      uma terceira camada de cinco a oito metros de altura onde chegava muito menos luz. Havia ainda arbustos, exemplares jovens de tipos diferentes de árvores, ainda que poucos, e uma camada de musgo que o cobria quase por inteiro em algumas partes, igual a um amontoado de cipós subindo por todos os troncos, pendurados de todos os galhos. Flores e frutos em todos os lados, principalmente nas camadas mais altas, inalcançáveis para mim. Também se notava todos os tipos de animais. Não era fácil vê-los, mas podia ouvir inúmeros tipos de piados de pássaros, gritos de macacos, ramos agitando-se acima de mim devido à movimentação deles, insetos zumbindo ao redor das flores por todos os lados, inclusive algum animal terrestre cujas pisadas eu escutava como um ruído distante. As borboletas e o resto dos insetos esvoaçavam por todos os lados. Se não fosse pela situação em que estava, teria desfrutado de um lugar tão bonito, mas nesse momento tudo era um obstáculo em potencial para a minha sobrevivência. E tudo me dava medo.

      Após uma breve busca encontrei uma que me parecia adequada e subi com as duas mochilas nas costas. Pareciam pesar uma barbaridade e meus joelhos suplicavam por descanso. Quando estava alto o bastante para me sentir seguro, mas não para me acidentar ou me ferir gravemente quando a noite caísse, coloquei-me como pude entre dois galhos grossos que iam quase paralelos e me cobri um pouco com uma das mantas pequenas que havia trazido do avião, e a outra fiz de almofada. No céu, pude vislumbrar uma incrível quantidade de grandes morcegos marrom-escuros, agitando-se dessa forma característica que têm de esvoaçar aparentemente errantes e movendo-se por impulsos5. Não sabia como contá-los, pois devia haver milhares, pairando principalmente sobre as palmeiras, comendo seus frutos, eu imaginava, ou caçando os insetos que comiam os frutos.

      Devo ter dormido duas horas em pequenos intervalos de quinze ou vinte minutos. Os ruídos me atormentavam de todas as direções, não fazia mais que ouvir passos, vozes, gritos, rosnados, guinchos agudos, zumbidos, sussurros, um murmúrios constante que aumentava e baixava sem cessar. Até mesmo me pareceu escutar o grito agonizante de um menino várias vezes e o barrido de elefantes. Não sabia se podia ser o que parecia, ou se somente parecia. De vez em quando se ouvia algum rugido bastante inquietante, que me fazia imaginar alguma fera selvagem me devorando enquanto eu dormia. Por alguns momentos a angústia me impedia de respirar, apertando meu coração até quase me causar dor. Cada som, cada movimento, tudo o que ocorria ao meu redor era um tormento, uma sensação de angústia opressora. Quando conseguia cair no sono em algum momento, qualquer coisa me obrigava a despertar assustado. Às vezes via olhos brilhando na noite tétrica e, para tentar me encorajar, pensava que era uma simples coruja ou seu parente mais próximo que houvesse por esses lares, mas essas tentativas de me manter positivo duravam pouco e sempre acabava vendo felinos com intenções inescrupulosas ou alguma serpente perigosa à caça. Outras vezes me parecia ouvir disparos próximos, rajadas intermitentes, mas se escutava com atenção não conseguia ouvir nada.

      – Javier –ouvi como Alex me chamava.

      – Oi, cadê você? –disse, despertando de um sobressalto.

      – Javier –tornei a ouvir.

      Olhei em todas as direções, angustiado, expectante, ansioso por ver meu amigo. Até que me dei conta de que Alex estava morto e que me encontrava sozinho e sem ajuda no meio da selva. Isso me assustava; não poder contar com ninguém que pudesse me auxiliar, com quem compartilhar minha dor deste momento, meu desespero. Não devia me deixar levar pelo pânico, tinha que expulsar os maus pensamentos da minha cabeça para poder sobreviver, mas não conseguia. Uma sensação sufocante de solidão me obrigava a me aprofundar em meus medos.

      – Javier, Javier.

      Durante toda a noite sua chamada foi constante, inquisitiva, atraente. Teria ido com ele, se soubesse aonde ir.

      DIA 2

      

      – Não, não o matem! –gritei, agitando-me convulsivamente e causando minha queda da árvore com um ruído abafado.

      Agitei-me de um lado para outro, fugindo de meus próprios fantasmas, ignorando a dor da queda. Olhei para todos os lados totalmente desorientado e fiquei quieto momentaneamente, encolhido, gemendo como um animal gravemente ferido. Enquanto esfregava as costas machucadas me dei conta de que havia sido um pesadelo, um pesadelo muito realista, já que havia sonhado que voltava a vivenciar a morte de Juan, a colisão do avião, outra vez o corpo inerte de Alex entre minhas mãos. O suor me escorria pelo rosto, minhas mãos tremiam. Respirei fundo por um momento e decidi me mover, somente desejava me distanciar o máximo possível do avião em que havia perdido parte da minha vida. Meu passado era terrível, meu futuro desolador.

      Doíam-me muito as costas pela posição que havia tomado, pela queda ou por ambas as coisas ao mesmo tempo, e estava um pouco trêmulo. Subi lamuriante para pegar as mochilas e me dei conta de que a mochila com a


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<p>4</p>

Flora: Dendezeiro, Elaeis guineensis

<p>5</p>

Fauna: Morcego cor-de-palha, Eidolon helvum

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