Coração em dívida. Ким ЛоренсЧитать онлайн книгу.
embora a mãe vivesse num lugar remoto, tinha bons amigos que viviam perto e eram bons vizinhos. Naturalmente, passariam por casa dela a ver se estava bem.
Flora mordeu o lábio inferior enquanto ponderava se devia lançar mais carvão para a lareira antes de ir para a cama. Estava tentar recordar onde tinha posto os aquecedores elétricos que tinha de levar para o quarto de Jamie quando ouviu umas batedelas na porta principal, a qual tinha fechado com o ferrolho depois de Fergus se ter ido embora, já que não fazia sentido que o cozinheiro continuasse ali quando as reservas para jantares tinham sido canceladas.
Envergonhada porque a primeira coisa em que pensou foi que o barulho ia acordar o menino, cruzou apressadamente a sala, deduzindo que a pessoa que estava a bater deveria estar desesperada, e correu o ferrolho rapidamente.
Quando a porta se abriu, o vento vindo do fiorde que chegava à praia do outro lado da estreita estrada atingiu-lhe o rosto com uma gélida força.
O desconhecido entrou em casa no meio daquela tempestade.
Era um desconhecido, não era Callum, como tinha pensado durante uma décima de segundo. Onde estaria Callum naqueles dias? Em Espanha? No Japão? Não, aquele homem, tirando e sua altura e a constituição física, não se parecia com Callum, o homem que lhe tinha partido o coração.
Flora fechou rapidamente a porta, competindo com a força do vento tempestuoso e da chuva torrencial.
O homem, que agora parecia ainda mais alto, estava quieto, o que lhe permitiu observá-lo com mais tempo e memorizar cada um dos seus traços. O seu cabelo negro estava encharcado e umas gotas de água tremiam nos extremos de umas incrivelmente longas pestanas enquanto o tom azeitona da sua pele adquiria reflexos dourados sob a ténue luz. Sem ter em conta a extraordinária boca e os profundos e escuros olhos, os duros traços daquele rosto eram muito sensuais e extremamente viris.
Recusando-se a reconhecer um repentino desejo sexual, decidiu libertar-se do efeito que aqueles hipnóticos olhos, fixos nos seus, estavam a ter nela.
– Quem é você? – perguntou Flora quando recuperou a fala. A sua voz não mostrava a hospitalidade pela qual eram célebres as pessoas daquelas terras. No entanto, em sua defesa, estava… perturbada, ou perto disso.
Flora engoliu em seco e baixou as pálpebras. Apesar do gesto defensivo, sentia no seu corpo aqueles olhos escuros com estranhos reflexos dourados.
Flora acabou por reconhecer que estava à frente do homem mais bonito que já tinha visto na sua vida… e nos seus sonhos. Seria aquele um bom momento para descobrir que ainda sentia um fraquinho por uma cara bonita? Não, Callum tinha uma cara bonita; no entanto, aquele homem era mais, era belo.
Sim, era um homem realmente formoso. Tinha um rosto com uma estrutura óssea perfeita, com maçãs do rosto prominentes e a mandíbula quadrada, nariz aquilino e uma boca que lhe provocou um formigueiro no ventre.
Mas o que realmente a tinha impressionado era a extrema sexualidade da sua presença. Até conseguir fazer com que ela sentisse as pernas a tremer.
«Fantástico, era mesmo o que precisava!»
Como se não fosse suficiente ter perdido a sua querida irmã e o seu cunhado, ter herdado o negócio e também o filho de ambos! Agora, para cúmulo, aquele desconhecido tinha voltado a despertar a sua libido!
Obviamente, aquele homem não tinha culpa de nada.
– Reservei um quarto – respondeu o homem com voz profunda e grave e um ligeiro acento estrangeiro.
Uma onda de tristeza abanou Flora e sentiu a garganta fechar-se. Aquela voz, embora mais profunda e áspera, parecia recordar-lhe o seu falecido cunhado, Bruno. Mas a voz de Bruno sempre fora quente e com uma nota de humor, enquanto a do desconhecido era tão fria como os olhos que a olhavam à espera de uma resposta.
Flora fez um esforço por adotar uma atitude profissional. Normalmente, não lhe custava nada, estava habituada a lidar com as pessoas, tinha trabalhado num bar, a tempo parcial, durante a universidade. Recentemente, uns clientes tinham dado a sua opinião sobre ela na Internet, dizendo que mostrava «uma amável eficiência e simpatia».
Assim sendo, por que estava ali, quieta e sem abrir a boca, como uma idiota?
– Há algum problema?
Ivo reconheceu que tinha cometido um erro ao chegar ali com ideias pré-concebidas e isso estava a confundi-lo muito, algo a que não estava acostumado.
E algo a que não pretendia acostumar-se. Até à porta se abrir, não se dera conta de que antecipava deparar-se com uma loira alta e magra. Não lhe tinha passado pela cabeça que a cunhada do seu irmão fosse uma ruiva baixinha com a cintura mais estreita que já vira na vida.
Ivo meteu as mãos nos bolsos e apertou-as em punhos, como se quisesse dissipar a imagem que a sua mente tinha evocado, uma imagem em que apertava aquela cintura com os dedos das suas mãos. As suaves, mas femininas curvas acima da cintura daquela mulher levaram-no a sentir um repentino calor que o forçou a voltar a atenção novamente para o seu rosto.
Olhar para a mulher com a qual o seu avô tinha sugerido que se casasse não lhe ia custar esforço algum.
Sem saber como nem porquê, a sua mente conjurou a imagem daquela mulher a caminhar para um altar com um vestido de noiva. Recusou rapidamente essa ideia, tal como a ideia de casamento. Até há pouco, tinha sido uma inevitável perspetiva, uma dívida à continuação do seu apelido; no entanto, a existência do filho de Bruno, que representava a nova geração, libertara-o dessa obrigação.
Estava na ilha de Skye, sim, mas não para se casar.
Era o seu plano alternativo mais racional? De facto, não podia ser considerado um plano, tudo dependeria das circunstâncias a partir daquele momento, iria decidindo conforme as coisas corressem.
Talvez fosse uma loucura, mas algo mais razoável do que lhe tinha parecido quando estivera quase a abandonar o carro numa parte inundada da estrada, a pouco menos de um quilómetro de onde se encontrava.
Ivo não acreditava no destino nem na intervenção divina, mas quando uma pessoa dava por si a guiar por uma estrada que se tornara quase num rio, era lógico perguntar-se se alguém, algures, não lhe estava a enviar um sinal.
E aquele não tinha sido o primeiro obstáculo!
Ivo considerava-se um homem que se sabia adaptar às circunstâncias, mas naquele dia a sua paciência fora posta à prova. Desde que começara a viagem naquela manhã, tudo tinha ido de mal a pior. O piloto do avião privado tivera de realizar uma aterragem de emergência em Roma por causa de problemas técnicos. Por fim, após aterrar na Escócia no avião privado substituto, nenhum motorista aceitara levá-lo para Skye devido ao temporal.
Tendo em conta que aquela viagem era de extrema importância, tinha ignorado os avisos contra o mau tempo, supondo que estavam a exagerar.
E tinha-lhe custado caro. Olhou para os seus sapatos de couro feitos à medida, completamente destroçados; o casal de idosos, que tinha ajudado após terem saído com o carro da estrada, tinham-no tratado como um herói.
E agora que estava ali as coisas não corriam conforme o previsto. Procurou fazer gala da objetividade que o caracterizava; mas naquele preciso momento, aquele rosto em forma de coração ergueu-se para ele.
Se não reconhecesse como era bela, apesar de não gostar particularmente de mulheres baixinhas e de ar frágil, não estaria a ser verdadeiro. Obviamente, conhecera mulheres muito mais bonitas do que aquela, embora nenhuma com aquele rosto em forma de coração e uns caracóis pré-rafaelistas dignos de Tiziano.
Tão inesperada como a vista daquela bonita cara em forma de coração tinha sido o súbito desejo sexual que sentira assim que a vira.
Eliminando aquela resposta visceral, continuou a observar aquele rosto que tanto lhe tinha chamado a atenção. Era uma cara com um nariz respingão, uma bonita boca, uns olhos azuis rodeados de espessas pestanas e um queixo com uma covinha.
Em