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Romancistas Essenciais - Coelho Neto. August NemoЧитать онлайн книгу.

Romancistas Essenciais - Coelho Neto - August Nemo


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      Correu um leve reposteiro de chita escura, de ramagens, e desapareceu, gingando.

      Paulo lançou os olhos à sala. Estreita, com uma janela e a porta à frente, duas portas ao fundo, encobertas pelos reposteiros de chita que o vento tufava; uma mesa de pinho, a cômoda com imagens de gesso e quinquilharias, quatro cadeiras e um banco com assento de couro. Nas paredes: cromos de antigas folhinhas, gravuras recortadas e uma cópia da Batalha de Avaí. A um canto, um feixe de bengalões mosqueados.

      Na janela, empanada por uma cortina de filó, dois vasos de barro com malvas e, numa gaiola, um pássaro triste, amorrinhado, olhava o céu, piando. Um gato cinzento, esgrouviado, espichou-se, corcoveou e veio vindo, com preguiça, pelos varais da latada; ao vê-lo, porém, deteve-se, desconfiado, fitando-o, e, sem perdê-lo de vista, agachou-se, cravou as unhas nas ripas, raspando com frenesi; de repente, num salto, desapareceu no telhado.

      Mas o mulato tornou, com a sua alegria ruidosa: "Que Ritinha estava arranjando o café", e, tomando de cima da mesa uma ponta de cigarro, acendeu-a e sentou-se cavalgando o banco, de pernas abertas, descaído, os cotovelos nos joelhos, o queixo entalado nas mãos, e perguntou com mistério:

      — Então que houve, nhozinho?

      — Violante fugiu de casa, Mamede.

      O mulato empinou-se num ímpeto de espanto e, hirto, d'olhos esbugalhados, exclamou:

      — Como, nhozinho!? Não me diga isto! Nhá Violante...! Com quem?

      — Não sei.

      — Quando, nhozinho?

      — Ontem à noite.

      — E vosmecê não desconfia de alguém?

      — Ora, Mamede, eu, com a vida que tenho, pouco paro em casa. Não sei.

      — E a velha?

      — Mamãe, coitada!

      — Ora, Nhá Violante! Uma menina que parecia uma santa... Vosmecê já foi à polícia?

      — Fui ontem. Mas não confio naquela gente. O que eu quero é que tu me auxilies. Só conto contigo.

      — Comigo!? - exclamou o mulato vaidoso, espalmando a mão no peito.

      — Sim, tu conheces essas coisas. Contigo tenho certeza de descobrir o patife.

      O mulato encolheu-se, modesto.

      — Ah! nhozinho, também não é assim como vosmecê pensa, - disse escarvando a cabeça; - não é assim. Se a gente ainda tivesse uma dica... - Encolheu-se, pensativo, mordicando os grossos beiços, levantando o bico das chinelas. De repente, firmando-se, explicou: Aqui só há um meio - é a gente conversar com os cocheiros. Ela, com certeza, foi de carro, eu sei; ninguém faz essas coisas senão de carro e cocheiro é como mulher: não guarda segredo - o que um faz está na boca de todos. O meio é a gente sair pescando aqui, ali, nos pontos. Mas para isso é preciso andar com essa malandragem e esse serviço não é para um moço como vosmecê.

      — Como não? Por quê?

      O mulato sorriu superiormente, bambaleando-se:

      — Não, nhozinho, eu mexo as coisas cá no meu lado, vá vosmecê tocando lá por cima. Essa gente miúda é o diabo! repetiu. Perto dum moço como vosmecê nenhum abre o bico, não se arranca isto, - e mostrou a unha aguda do polegar. - Comigo não, sou cabra da mesma romaria, ando no lote com eles e com uma misturadinha e uma pabulagem destripo o mais mitrado. Para mim o melhor mesmo é pegar os cocheiros. A gente vai no rasto, farejando, até botar a mão em cima do mestre, depois... o resto é nada. Mas com vosmecê, não. Vosmecê atrapalha os cálculos. Moço assim direito... qual! dizem logo, isso é tira, está sondando. Eu conheço os casos; - e riu. Logo, porém, reassumindo a gravidade, perguntou: E na vizinhança? A gente não pode apanhar alguma coisa? Vosmecê não tentou?

      — Não.

      — Pois é preciso, nhozinho. Então é assim que vosmecê quer pegar o meco? É preciso.

      Nesse momento uma mulatinha cor de canela, afastando o reposteiro, apareceu com a bandejinha de café.

      Muito nova, teria dezoito anos, pele fina, cetínea, olhos negros, faceiros e pestanudos, cabelo liso, abundante, roliça e lânguida. Os seios rijos espetavam o corpinho de cassa, e, pelas mangas frouxas, viam-se-lhe os braços morenos, torneados e nos punhos finas pulseiras de prata com berloques tinindo. Mamede apresentou-a:

      — Esta é a minha barbiana, Ritinha, a mulata de mais caídos que eu conheço; - e atirou uma palmada ao quadril da rapariga, que fugiu com o corpo graciosamente.

      — Olha, Rita, este é o filho do meu major. Eu vi este menino assim - e esticou o braço forte mostrando a altura - brincou muito aqui nos meus joelhos, era doido por mim. Nem vosmecê se lembra, hem, nhozinho?

      Paulo, sorvendo o café, fez um aceno afirmativo; mas o mulato, estirando as pernas, arregaçando as calças, duvidou:

      — Qual! Vosmecê era muito miúdo. - Ritinha sentou-se com a bandeja nos joelhos, mirando-o. Mamede, porém, entregando-lhe as xícaras, atirou-lhe nova palmada, que ela rebateu, ligeira, com um momo. - Vai um bocadinho lá dentro, mulata; nós estamos aqui numa menestra.

      Ritinha levantou-se molemente e, com o seu andar quebrado, desapareceu; pouco depois a sua garganta mandou à sala a melodia de uma modinha sertaneja.

      — Então, nhozinho, vosmecê não acha que eu penso bem? Eu vejo fundo nessas coisas. Vosmecê toca lá de cima, eu vou trabalhando cá por baixo, com o meu povo: assim, sim. Fechamos o bicho num cerco e, seja ele quem for, quanto mais graúdo melhor, há de chegar à fala. E depois, se eu puser os luzios nele, vosmecê pode ficar certo de que o mestre cumpre a obrigação. Ah! isso cumpre! Olhe, nhozinho, não é por vosmecê estar presente, mas pergunte à Ritinha se eu não vivo aqui falando lá de casa: do velho, da velha, de vosmecê, de Nhá Violante. Eu estimo vosmecês mesmo, não é prosa, estimo! Vosmecês cresceram nos meus braços, e então? Deus me livre! Achando, vosmecê pode ficar tranqüilo, porque o trucha ou cumpre a obrigação apagando a mancha, ou eu... ahn! Vosmecê não me conhece ainda, nhozinho. Eu não sou homem de muita conversa, esteja certo disso; não sou, mas quando digo, faço, nem que saiba ir parar no inferno. Assim como assim, a gente vive em qualquer parte, vive mesmo, mas com uma ânsia no coração, isso é que não, não é comigo.

      Encolheu os ombros, esguichou, por entredentes, uma cusparada para o quintalejo e ergueu-se.

      — Vou pôr os manos em serviço e se eu, com eles, não descobrir, também a polícia não descobre, isso juro!

      Afastou a cortina e bradou:

      — Ritinha, que é da cana? Vosmecê não bebe?

      — Não.

      — Pois fique descansado, nhozinho, que eu vou trabalhar com gosto. Hoje mesmo começo, hoje é bom dia, que é domingo. É verdade que eu tenho um negocinho nas corridas, mas não há dúvida: primeiro a minha gente. Mas que maluquice de Nhá Violante! Uma moça bonita, que podia fazer um casamento importante...

      "Mas é essa malandragem que anda por aí solta, desencaminhando as moças. A cidade está perdida, só mesmo um chefe teso, que mande varrer tudo, a torto e a direito. É uma pelintragem que faz medo: uns pindaíbas, sem lasca de guita, muito engravatados, batendo a calçada e fazendo estrupícios. E por isso que há tanta perdição por aí.

      "Muitas vezes vosmecê lê nos jamais que um homem enfiou uma língua de ferro no bucho do outro, à toa. À toa?! pois sim, trate de indagar e há de ver. Só um maluco mata por matar, há sempre uma razão. Eu mesmo já tenho estado para esfriar mais de um, por causa de desaforos, não com a Ritinha, qu'isso, então, era logo; por causa de outras coisas. Foi algum vagabundo que virou a cabeça de Nhá Violante, mocinha nova, sem experiência do mundo... - Suspirou: Eu, de quem tenho mais pena é da velha... Tão boa, coitada! Uma santa!"

      — Passou toda noite em claro, chorando.

      —


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