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O último comboio para a liberdade. Meg Waite ClaytonЧитать онлайн книгу.

O último comboio para a liberdade - Meg Waite Clayton


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Também não queria dizer isso — respondeu ele, com paciência. — Sabes que não me referia a isso. Mas pensa nisto. A situação na Alemanha está a piorar e preocupo-me contigo.

      Truus ficou parada ao seu lado, observando os patinadores, a irmã que, agora, ajudava o irmão a levantar-se do gelo.

      — Bom, se estás decidida a ir — disse Joop —, gostaria que o fizesses antes de a situação piorar.

      — Estou à espera que o senhor Tenkink consiga os vistos de entrada, Joop. Não dizias que tinhas alguma coisa para me contar?

      — Sim. Esta tarde, recebi uma chamada muito estranha no escritório. O senhor Vander Waal, já o conheces, diz que um dos seus clientes tem a certeza de que tens algo de valor que lhe pertence. Algo que lhe trouxeste da Alemanha.

      — Algo que lhe trouxe? Porque haveria de fazer passar alguma coisa na fronteira para um total desconhecido? — Franziu o sobrolho, preocupada enquanto olhava para os patinadores, o pai da menina e do menino, que se aproximava dos filhos e dava a mão ao menino. — Limito a minha mercadoria valiosa às crianças, juro-te.

      — Foi o que lhe disse — replicou Joop. — Garanti-lhe que não terias nada a ver com isso.

      No gelo, a irmã apertou a outra mão do irmão. O pequeno disse alguma coisa que fez a família rir-se e afastaram-se a patinar para a ponte para a atravessar por baixo. O pai despediu-se dos outros adultos e gritou que voltariam a ver-se em breve. Truus desviou o olhar e observou o céu cinzento através das árvores nuas. Quantas vezes vira os grupos de pais, que falavam entre eles enquanto os filhos patinavam à sua volta? Mas nunca com Joop. Era uma parte de si própria que escondia, até mesmo do marido. Depois do seu terceiro aborto, Joop e ela tinham concentrado a sua atenção noutras coisas. Ela concentrara-se na Associação pelos Interesses das Mulheres e da Igualdade de Cidadania, no trabalho social e em ajudar as crianças como aquelas que os pais tinham acolhido.

      Ouviu-se o apito de um comboio ao longe. Truus continuava a olhar para o canal gelado, com as mãos protegidas pelas de Joop, questionando-se se o marido alguma vez iria lá a sós para observar as famílias. Sabia que desejava tanto ter um filho como ela ou mais. Porém, Truus escondera a dor, tal como ele, para não lha atirar à cara num descuido. Agora, depois de passar anos a evitar o assunto dos filhos, transformara-se num costume impossível de quebrar. Truus, por muito que desejasse fazê-lo, não conseguiria acariciar a cara de Joop e dizer: «Alguma vez vens cá para ver as crianças, Joop? Observas os pais? Alguma vez pensas que podíamos voltar a tentar mais uma vez antes de ser demasiado tarde?» Ficou parada ao seu lado, a olhar para os patinadores no gelo, para os pais a conversar e para os barcos gelados no canal que sugeriam um futuro para o qual ainda restava um longo inverno.

      DIAMANTES, NÃO IMITAÇÕES

      Depois de Joop ter ido trabalhar na manhã seguinte, Truus procurou na cómoda e pegou na caixa de fósforos que o homem do comboio lhe dera. Passara realmente um ano? Abriu-a em cima da mesa da cozinha e extraiu aquele disco horrível de cascalho. Esfregou-o com o polegar até caírem pedacinhos de cascalho.

      Levou-os para o lava-loiça e pô-los com cuidado numa tigela, que depois encheu de água. Esfregou os pedaços inundados com os dedos e a água tornou-se turva. Tirou-os e deixou-os em cima da palma húmida da sua mão.

      Era verdade: Deixamo-nos enganar com mais facilidade quando nós próprios fazemos parte do engano.

      Ligou para o escritório do senhor Vandel Waal.

      — Senhor Vander Waal — disse —, parece que lhe devo um pedido de desculpa. O meu marido enganou-se. Parece que realmente tenho uma coisa para o doutor Brisker.

      Devia haver talvez uma dúzia de diamantes sem polir naquela «pedra da sorte». Um valor suficiente para começar uma nova vida. Esse tal doutor Brisker correra o risco de tirar o seu tesouro secreto do país escondido nela, dando-lhe significado suficiente para evitar que o atirasse para o lixo. Pusera em perigo a vida de três crianças só para tirar parte da sua riqueza da Alemanha. E ela fora uma ingénua.

      MOTORSTURMFÜHRER

      O Judentagung de Berlim organizado pelo Departamento de Segurança foi um triunfo para Eichmann. Dennecker e Hagen falaram primeiro. Dennecker falou sobre a necessidade de vigiar constantemente os judeus e Hagen, sobre as complicações de uma Palestina independente que conseguiria defender os direitos de ditos judeus. Quando Eichmann ocupou o pódio, sentiu-se tão livre como quando, ainda jovem, percorria a Áustria na sua mota, quando, acompanhado pelos seus amigos, defendia os oradores nazis visitantes à frente das multidões enfurecidas que lhes atiravam garrafas de cerveja e comida podre. A viagem à Palestina, embora tivesse sido um fracasso, servira para afiançar os seus conhecimentos sobre o problema judeu. Agora, era um dos oradores e a multidão reunida no Judentagung gritava o seu apoio.

      — O verdadeiro espírito da Alemanha reside no povo, nos seus camponeses e na paisagem, no sangue e na terra da nossa pátria imaculada — declarou. — Agora, enfrentamos a ameaça de uma conspiração judia que só eu sei como revogar.

      A multidão aplaudiu quando lhes falou das armas e da força aérea que a Haganá da Palestina juntara, dos judeus estrangeiros que se faziam passar por empregados de organizações internacionais para juntar informação de contrabando que pudessem usar contra o Reich, sobre a conspiração antialemã ampla liderada pela Alliance Israélite Universelle, para a qual uma fábrica de margarina Unilever agia como cobertura.

      — A forma de resolver o problema judeu não é através de leis que restrinjam a atividade dos judeus na Alemanha, nem sequer da brutalidade na rua! — gritou para multidão febril. — O que precisamos é de identificar os judeus do Reich. Pôr os seus nomes numa lista. Identificar as oportunidades que lhes permitam emigrar da Alemanha para países inferiores. E, o mais importante, despojá-los das suas riquezas para que, confrontados com o dilema de ficar na pobreza ou ir-se embora, os judeus escolham ir-se embora.

      DECISÕES

      Aquela manhã invernal ainda não amanhecera por trás da janela quando Truus se sentou a tomar o pequeno-almoço com Joop. Agarrou na secção da frente do jornal enquanto dava a primeira trinca ao uitsmijter, com o ovo, o presunto e o queijo ainda quentes.

      — Meu Deus, fizeram-no, Joop! — exclamou.

      Joop sorriu com atrevimento do outro lado da mesa.

      — Cortaram mais as bainhas? — perguntou. — Sei que preferes as saias mais compridas, mas tens os joelhos mais bonitos de Amesterdão.

      Atirou-lhe um pedaço de pão. Joop apanhou-o no ar e pô-lo na boca antes de devolver a atenção ao seu prato e saborear o pequeno-almoço de um modo que Truus admirava, mas que nunca conseguiria imitar, nem sequer quando as notícias eram boas.

      — O nosso governo aprovou a nova lei para proibir a imigração do Reich — esclareceu.

      Joop pousou o uitsmijter e dedicou-lhe toda a sua atenção.

      — Sabias que iam fazê-lo, Truus. Há já um ano que o governo «protege» quase qualquer profissão que um estrangeiro pudesse desempenhar.

      — Pensei que éramos melhor do que isto. Fechar a fronteira totalmente?

      Joop agarrou na primeira página e leu o artigo enquanto Truus se repreendia mentalmente. Devia ter pressionado mais o senhor Tenkink para ajudar os trinta órfãos de Hamburgo. Trinta. Demasiados para os fazer passar por filhos dela num passaporte onde não figuravam filhos, mas devia ter tentado.

      — Ainda podemos dar abrigo aos que correm perigo — disse Joop, devolvendo-lhe o jornal.

      — Aqueles que consigam provar que correm perigo físico. Que judeu na Alemanha não corre perigo? Mas que prova é que alguém tem do perigo físico até os nazis os agarrarem e os expulsarem e ser demasiado tarde?


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