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O último comboio para a liberdade. Meg Waite ClaytonЧитать онлайн книгу.

O último comboio para a liberdade - Meg Waite Clayton


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      — Olha, Stephan — observou Dieter. — São o Helmut e o Frank, da escola! Vamos!

      — Devíamos levar a Žofie-Helene a casa, Deet — indicou Stephan.

      Dieter olhou para Žofie, expectante, com a mesma emoção no olhar do que daquela vez em que Jojo tivera tanta febre que começara a chamá-la «papá», embora só conhecesse o pai através de fotografias e histórias, porque morrera antes de ela nascer.

      — Eu levo-a a casa, Deet — ofereceu-se Stephan. — Encontro-me contigo depois.

      Stephan e ela recuaram ainda mais para as sombras enquanto Dieter descia os degraus do teatro a correr, em direção a um grupo de nazis que avançava para um idoso que saiu de um edifício para proteger a sua montra. Um soldado das SA começou a gozar com o homem e os outros imitaram-no. Um deles deu um murro no estômago do pobre idoso e este dobrou-se de dor.

      — Meu Deus! — exclamou Stephan. — Devíamos ajudá-lo.

      O homem já desaparecera por baixo dos soldados.

      Žofie desviou o olhar e reparou nuns homens que içavam uma bandeira nazi no Parlamento austríaco, sem que ninguém os detivesse: Sem polícia, sem exército ou sequer o povo de Viena. Aquelas eram as boas pessoas de Viena? Todas aquelas pessoas que gritavam o seu apoio a Hitler, esses jovens que podiam ter espreitado para a montra da loja para ver a maqueta do comboio no Natal?

      — Não conseguiremos chegar a casa pela rua — disse a Stephan.

      Caos. Era a única coisa que nem sequer os matemáticos conseguiam prever.

      Com uma tesoura que encontrou na barbearia do avô sem acender a luz, Žofie tentou abrir o ralo de ventilação que havia por baixo do espelho. Guiou Stephan pelas condutas que tinham percorrido no dia em que se tinham conhecido, até uma abertura que dava para o subsolo, que descobrira mais tarde. Nunca entrara porque tivera medo de se perder.

      — Puf — disse, ao deixar-se cair na escuridão do buraco, muito mais abaixo do que imaginara.

      Stephan também se deixou cair e Žofie procurou-o na escuridão e acalmou-se quando os seus dedos encontraram a manga da camisa dele. Apertou-lhe a mão. Novamente, calma e mais alguma coisa.

      — E agora? Por onde? — perguntou.

      — Não sabes?

      — Nunca tinha descido para o subsolo, só contigo.

      — Nunca estive nesta parte — indicou Stephan. — Bom, não podemos voltar a subir pelo teatro, não sem um escadote.

      Continuaram a avançar juntos, ouvindo a destilação da água e o barulho de animais escorregadios que os assustavam na escuridão. Žofie tentou não pensar nos abusadores e assassinos de que Stephan lhe falara. Que alternativa tinham? Na rua, os abusadores e os assassinos tinham conquistado tudo.

      * * *

      O barulho da multidão era distante, mas Stephan ainda ouvia a buzina dos carros e os «Heil Hitler» repetidos várias vezes quando emergiram do subsolo através da entrada de esgoto octogonal situada perto do apartamento de Žofie. Levantou primeiro um triângulo ligeiramente para espreitar e verificar se aquela rua lateral era segura.

      Ao chegar à porta do seu prédio, Žofie pôs a chave na fechadura. «Tem cuidado ao voltar a casa, está bem?», disse a Stephan. Depois, deu-lhe um beijo na face e desapareceu no interior, deixando-o com a carícia dos seus óculos contra a pele, o calor da sua face e a humidade suave dos seus lábios.

      No entanto, beijara o palerma do Dieter nos lábios.

      Não, Dieter beijara-a.

      Na janela de um andar superior, a sombra de um homem atrás das cortinas abanou os braços e abraçou a sombra da rapariga que era Žofie-Helene ao chegar a casa e cumprimentar o pai. Só que o pai de Žofie morrera. Stephan observou com atenção e distinguiu a silhueta de cócoras de Otto Perger. Ambas as sombras estavam fundidas num abraço de amor e de alívio. Não devia olhar e sabia. Devia virar-se e voltar para o subsolo, chegar até casa. No entanto, ficou ali enquanto a sombra do avô e a sombra da neta se afastavam e falavam, enquanto Žofie se esticava para dar um beijo na face do avô. Os óculos tocariam na face do avô, a pele tocaria na pele do avô.

      Desapareceu da janela, mas a sombra reapareceu segundos mais tarde, segurando alguma coisa. Começaram a ouvir-se muito levemente as primeiras notas da Suíte N. 1 para violoncelo de Bach, misturando-se com as buzinas longínquas e os gritos de júbilo das pessoas, com o futuro desconhecido daquilo em que Viena se transformaria da noite para o dia. E, mesmo assim, Stephan ficou ali a olhar, a imaginar o que seria abraçar o corpo esbelto de Žofie, sentir a pressão dos seus seios, beijá-la nos lábios, na base do pescoço, onde o colar do infinito que não lhe fora oferecido pelo pai acariciava a sua pele nua.

      CARTÕES DE BAILE VAZIOS

      O bar de madeira de carvalho da pensão de Hamburgo estava cheio de soldados das SS bêbados. Truus apertou a mão a Klara por cima da mesa. Os dedos da pobre mulher tremiam. Tinha o bife sem tocar no prato.

      — É assustador, eu sei — disse Truus, para a acalmar, em voz baixa, para que só ela a ouvisse. — Mas os alemães permitirão apenas um comboio às cinco da manhã, para que ninguém veja as crianças a sair, e não podia sair hoje.

      — Porque disse «encomenda» em vez de «entrega».

      — Neste negócio, as coisas nem sempre correm segundo o previsto — tranquilizou-a Truus, com ternura.

      — É que — começou a Klara —, o senhor Van Lange está muito nervoso por mim. E não podemos ficar aqui à espera para sempre, sobretudo se… Achas que é verdade? Estes homens parecem pensar que o Hitler vai invadir a Áustria esta noite ou talvez já o tenha feito.

      Truus levantou o garfo e deu uma trinca ao seu bife, pensando que uma invasão da Áustria explicaria porque não tinham comboio. Talvez os comboios se usassem para transferir as tropas.

      — Esta noite, não devemos preocupar-nos com isso — disse a Klara. — Devemos preocupar-nos com os trinta órfãos alemães.

      Comeram em silêncio durante uns minutos, antes de um membro das SS se aproximar. Bateu com os calcanhares com força e fez uma reverência até quase tocar no prato de Truus com a cabeça.

      — Sou o Curd Jiirgens — disse, arrastando as palavras.

      A canção que se ouvia parecia um mau presságio: Ah, Miss Klara, I Saw You Dancing.

      Truus avaliou-o. Não disse como se chamavam.

      — Mãe — disse o jovem, dirigindo-se a ela —, posso convidar a sua filha para dançar?

      Truus olhou para ele de cima a baixo. Respondeu com firmeza, mas educadamente.

      — Não pode.

      A divisão ficou em silêncio, à exceção da música. Todos se viraram para olhar.

      O dono da pensão aproximou-se da sua mesa, retirou o prato da senhora Van Lange, embora mal lhe tivesse tocado e disse: «Meninas, talvez seja melhor acompanhar-vos ao vosso quarto.»

      O ANSCHLUSS

      Quando Stephan emergiu do subsolo através de um dos quiosques da rua, os soldados nazis tinham substituído os guardas na chancelaria e a multidão tornara-se mais barulhenta. Sem se afastar da sombra dos edifícios, percorreu o caminho até ao palácio real e passou por baixo dos arcos para entrar na Michaelerplatz, onde um cartaz em Looshaus dizia: «O mesmo sangue num Reich combinado!» Regressou de lá até casa e viu que as cortinas continuavam corridas e a casa estava às escuras. Rolf continuava sem estar à porta.

      Voltou a entrar no palácio, fechou a porta atrás dele sem fazer barulho e subiu as escadas com a esperança de não ser visto,


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